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domingo, 28 de fevereiro de 2010

O EFEITO DA ACTIVIDADE EXPERIMENTAL NA APRENDIZAGEM DA CIÊNCIA PELAS CRIANÇAS DO PRIMEIRO CICLO DO ENSINO BÁSICO

Investigações em Ensino de Ciências – V6(2), pp. 227-239, 2001


O EFEITO DA ACTIVIDADE EXPERIMENTAL NA APRENDIZAGEM DA CIÊNCIA
PELAS CRIANÇAS DO PRIMEIRO CICLO DO ENSINO BÁSICO


(The effect of experimental activities on science learning by elementary school children)

M. Goreti Matos [maria_goreti@hotmail.com]
Escola Secundária do Prof. Reynaldo dos Santos
Vila Franca de Xira

Jorge Valadares [jvalad@univ-ab.pt]
Universidade Aberta, Lisboa

Resumo
Neste artigo apresenta-se uma reflexão sobre o ensino experimental da ciência no
primeiro ciclo do ensino básico. Ao contrário do que sucede em outros países, o ensino experimental da ciência em Portugal nos primeiros anos de escolaridade não tem feito parte das práticas do dia a dia dos professores na sala de aula. Esta comunicação pretende questionar este facto. Trata-se de uma reflexão resultante de uma investigação envolvendo duas turmas do 4º ano da escolaridade obrigatória. Ela aponta para uma abordagem construtivista e investigativa do ensino da ciência e permitiu não só analisar o entendimento de alunos dos oito aos dez anos sobre alguns conceitos de ciência, mas também comparar esse entendimento em alunos de duas turmas à partida consideradas equivalentes: uma turma em que os alunos foram envolvidos em
actividades experimentais, numa lógica construtivista e investigativa (grupo experimental) e outra em que os alunos foram sujeitos ao ensino sobre os mesmos temas, nos moldes tradicionais, portanto sem realização de qualquer actividade experimental (grupo de controlo). Como suporte para esta reflexão e de modo a concretizá-la, apresenta-se uma das várias actividades experimentais que foram realizadas no grupo experimental durante a qual foi trabalhado um conceito geralmente abordado no ensino básico: o magnetismo.

Palavras-chave: ensino experimental de ciências; ensino fundamental; abordagem
construtivista.


Introdução

De acordo com muitos investigadores em educação (Gowin, 1981, Moreira e Buchweitz,
1993, Crowther, 1997, Harper & Hedberg, 1997, Brooks and Brooks, 1999, Novak e Gowin,
1999, Mintzes, Wandersee e Novak, 2000, etc.), uma boa aprendizagem exige a participação activa do aluno, de modo a construir e reconstruir o seu próprio conhecimento. De facto, sendo o aluno o elemento estruturante e estruturador da sua aprendizagem, que é um processo individual e profundamente idiossincrático (Gowin, 1981, p. 124 e 125), ainda que altamente influenciado por factores sociais (Vygotsky, 1998), é fulcral o seu papel activo. Por outro lado, sugere-se actualmente que o professor assuma um papel de dinamizador e facilitador da
aprendizagem do aluno, ao contrário do que sucedia na pedagogia passiva tradicional em que o professor era entendido como um mero veículo transmissor de conhecimentos.

Pensa-se, além disso, que uma boa aprendizagem exige também a criação de um ambiente de aprendizagem em que os alunos «manipulem» objectos e ideias e «negoceiem» significados entre si e com os professores, aquilo a que diversos autores chamam um ambiente construtivista de aprendizagem (Cunningham, Duffy e Knuth, 1993, Jonassen, 1994, Savery & Duffy, 1996, Valadares, 2001). As características desse ambiente construtivista de aprendizagem são as seguintes (Valadares, 2001):
1ª - É posta a ênfase na construção activa e significativa do conhecimento e não na sua retenção passiva e reprodução de memória.
2ª - São privilegiadas as tarefas dos alunos em contextos significativos, em vez das prelecções abstractas do professor fora dos contextos adequados.
3ª - Privilegiam-se também as situações do mundo real e do dia a dia, em vez das sequências de ensino academicamente rígidas e pré-determinadas.
4ª - São propiciadas múltiplas representações dos mesmos objectos/fenómenos e não uma só (representações icónicas, verbais, formais, qualitativas, semiquantitativas, quantitativas, etc.).
5ª - Encoraja-se a reflexão crítica constante dos alunos durante as suas actividades, a análise do que dizem e fazem, bem como o que dizem e fazem os seus colegas.
6ª - Proporcionam-se actividades dependentes do contexto e do conteúdo e são tidos em conta os estilos e ritmos de aprendizagem dos alunos.
7ª - Estimula-se a construção colaborativa do conhecimento através da negociação social e não a competição individual pela classificação.
8ª - Privilegia-se a avaliação formadora que, tal como a encaramos, deve estar voltada não só para a regulação da aprendizagem de cada aluno pelo professor, como também para a reflexão,
auto-avaliação e auto-regulação da própria aprendizagem.
9ª - São criadas condições agradáveis e propiciadores de boas relações interpessoais dentro e fora das aulas.
10ª - Os alunos são motivados e responsabilizados pelas suas próprias aprendizagens.
Esta nova forma de olhar o ambiente da sala de aula tem subjacente uma epistemologia,
uma psicologia da aprendizagem e uma prática educativa construtivistas.
Do ponto de vista epistemológico, admite o conhecimento científico não como um facto
consumado, mas como um processo em construção, sempre inacabado, fruto da interacção dos sujeitos com os objectos do conhecimento e da partilha e negociação de representações pessoais, em que tanto a experiência como a razão desempenham um papel decisivo, não sendo de privilegiar nem uma nem outra, isto é, nem as visões empiristas nem as racionalistas da origem do conhecimento.
Numa perspectiva psicológica, não encara a mente do aluno como uma tábua rasa, pelo
contrário, valoriza os seus saberes mais ou menos espontaneamente adquiridos, ou, se se preferir, os modelos mentais mais ou menos confusos com que os alunos interpretam, à sua maneira, a realidade que os cerca. Quer o aluno que aprende quer os objectos com que aprende desempenham um papel decisivo na construção do seu conhecimento. As sensações provenientes dos acontecimentos, a experiência de vida do aluno e as mais diversas componentes do seu cérebro (não só a componente neocortical, mas também as componentes que têm que ver com a parte afectiva) interferem na sua aprendizagem. É por isso que esta é,como dissemos atrás, um acto eminentemente individual e idiossincrásico, ainda que
profundamente influenciado pela interacção social a que o aluno é submetido. Daí a importância do ambiente construtivista que defendemos, o qual eleva o aluno à condição de elemento individual e único no que respeita ao modo como apreende o conhecimento, mas, ao mesmo tempo, também à condição de elemento social porque dependente do meio que o circunda e do modo como com ele interactua.

Se é um facto que os novos currículos formais do 1º ciclo do sistema de ensino
português, só por si, não serão obstáculo a esta viragem na forma de encarar as práticas lectivas dos professores desses níveis etários, crê-se que não será tarefa fácil proceder a grandes mudanças num futuro próximo. É que outros aspectos são por demais importantes e não têm sido suficientemente cuidados. É o caso, por exemplo, da formação prévia dos professores, e da reflexão à volta do que deverá ser feito para promover a motivação dos alunos para novas aprendizagens. No que se refere a este aspecto, é importante a decisão que muitas vezes cabe ao professor, em currículos flexíveis como são os que nós defendemos, sobre o que deve ser trabalhado com os alunos e de que forma deve ser trabalhado, de modo a despertar-lhes o interesse e a vontade de descobrirem cada vez mais o mundo que os rodeia. De modo algum deve, também, ser esquecido o desenvolvimento psicológico actual dos alunos, pese embora o facto de hoje se dar igualmente muita importância à sua área de
desenvolvimento potencial numa perspectiva vygotskiana. Sabendo que, nas idades
correspondentes ao primeiro ciclo, as crianças ainda não atingiram um estádio de
desenvolvimento correspondente ao das operações formais, há que lhes proporcionar
actividades ao nível do concreto, do seu quotidiano, de forma a que não se sintam incapazes dereflectir e trabalhar sobre elas. A ciência apresenta enormes potencialidades que permitem envolver o aluno activamente, interessando-o pela sua própria aprendizagem.

Sabe-se que o ensino experimental das ciências, particularmente a níveis mais avançados do que o do primeiro ciclo do ensino básico, tem sido bastante investigado no sentido de comparar os seus resultados com os obtidos por métodos de ensino não experimentais. As conclusões estão muito aquém das expectativas. De facto, pesquisadores como Coulter (1966), Siegal & Raven (1971), Hofstein & Lunetta (1982), Araújo (1985) e Glasson (1989), referidos por Frade (2000, p. 37), consideram que, por exemplo, no que se refere a conhecimento conceptual, compreensão e aplicação dos processos de ciência e aquisição de atitudes positivas face à ciência, não têm sido reveladas melhorias significativas nos alunos das escolas secundárias quando são submetidos a actividades experimentais. Este resultado não surpreende se for tido em conta o facto de as actividades experimentais continuarem a ser encaradas numa
perspectiva fechada, condutista, na base de guiões tipo receita, «deitando-se por terra», deste modo, as enormes potencialidades deste tipo de actividades.
O professor que pretende explorar as actividades experimentais para que os seus alunos aprendam a ciência de um modo mais significativo, e para o desenvolvimento neles das mais variadas capacidades que serão fundamentais no seu futuro (Trowbridge e Bybee, 1990, p. 239 e 240), terá de criar um ambiente construtivista de aprendizagem e adoptar estratégias
investigativas. Pensa-se que este ambiente favorecerá os alunos dos mais variados graus de ensino. O ensino experimental das ciências nos níveis mais baixos de escolaridade também tem sido motivo de investigação em vários países, a avaliar por obras como as de Charpak, 1999, Driver et al., 1994, Driver, Guesne e Tiberghien, 1996, entre outras. Da leitura de alguns trabalhos sobre esta vertente muito sensível do ensino das ciências, partilha-se das opiniões de vários investigadores, como Brickman e Taylor (1996), acerca da aprendizagem pela via da acção e reflexão. Esta desenvolve nos alunos capacidades e atitudes que vão muito para além do
que se consegue com o ensino tradicional, em que o aluno era encarado como um receptáculo mais ou menos passivo de conhecimentos. Nesta linha, preconiza-se que o aluno seja orientado no sentido de exprimir as suas ideias, planear, prever, executar e rever procedimentos e essas ideias. Muito importante, também, é escutar os alunos. Tal como afirma McCallum (2000), “observar, esperar, ouvir e questionar é uma sequência útil a seguir”. Ouvindo o que os alunos dizem, melhor se poderá entender como pensam, como vão construindo os seus conhecimentos, e melhor se poderão orientar e ajudar a enriquecer os seus modelos mentais. O «trabalho de campo»
Foi nesta perspectiva construtivista e investigativa, previamente discutida, acordada e tornada adaptável a crianças de 8 a 10 anos e às condições reais em que elas iriam ser ensinadas, que se baseou o trabalho levado a cabo numa turma do 1º ciclo do ensino básico durante uma investigação com crianças do último ano desse ciclo (Matos, 2000). Apesar de a investigação efectuada ao longo de um ano lectivo dever ser considerada eminentemente qualitativa, foi desenvolvido durante o trabalho de campo um plano quase-experimental, de acordo com a designação de Campbell e Stanley (in Silva e Pinto, 1986), com características investigação-acção. O plano consistiu em aplicar, como tratamento, numa turma experimental, um ensino de índole construtivista e investigativo, enquanto que em outra turma semelhante, a de controlo, se aplicou o ensino tradicional, sem qualquer actividade experimental e sem
qualquer preocupação de criar o ambiente construtivista atrás caracterizado...

PARA VIZUALIZAR O TEXTO COMPLETO ACESSE:

http://www.if.ufrgs.br/ienci/artigos/Artigo_ID75/v6_n2_a2001.pdf


FONTE: Investigações em Ensino de Ciências – V6(2), pp. 227-239, 2001

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